Roteiro de Documentário
O documentarista Vladimir Carvalho considera que, do ponto de vista da finalidade, um roteiro de ficção é “onde se quer chegar” e um roteiro de documentário é o “ponto de partida”. Há autores que preferem o termo pré-roteiro, por entenderem que o roteiro é elaborado após a coleta de todo o material com qual vai se trabalhar, nele estaria contida a decupagem que vai auxiliar as etapas de edição e montagem. Nos Estados Unidos utilizam o termo proposal, isto é, uma proposta que é apresentada a um possível investidor, algo parecido com o que, no Brasil, chamamos de projeto.
Diante de
definições tão diversas, faremos aqui algumas distinções no intuito indicar que
há roteiros diferentes conforme o formato do documentário e sua fase de produção.
Modos de documentário
Bill Nichols no livro
“Introdução ao documentário” considera
que há seis modos de documentário segundo a abordagem e o tratamento dado ao
assunto, são eles:
Modo
expositivo: prevalece a defesa dos
argumentos do documentarista, enfatiza a impressão de objetividade. Há presença
de voice over (narrador).
Modo
poético: enfatiza a estética e a subjetividade
(impressões do documentarista a respeito do universo abordado).

Modo
reflexivo: mostra os procedimentos da filmagem. É
como se refletisse sobre o ato de fazer o filme.
Modo participativo: o documentarista é um sujeito ativo, provoca o entrevistado e, em geral, ele e a equipe aparecem no filme.
Modo performático: caracteriza-se pela subjetividade e pelo padrão estético adotado, muitas vezes, fazendo uso de técnicas inovadoras. Pertencem a esta categoria o cinema experimental e a videoarte.
Modo performático: caracteriza-se pela subjetividade e pelo padrão estético adotado, muitas vezes, fazendo uso de técnicas inovadoras. Pertencem a esta categoria o cinema experimental e a videoarte.
Podemos considerar que um documentário se utiliza de mais de um modo de expressão. A opção por um modo acaba orientando o formato do documentário, ou seja, sua estrutura estético-narrativa.
O
formato identifica a forma e o tipo de produção e se constitui na ordem da
realização em nível dos recursos expressivos, articulando a estrutura dos
programas de um mesmo tipo por meio das técnicas usadas no momento da
pré-produção, da produção e da pós-produção. Faz, também, referência ao estilo,
deixando evidências do caráter discursivo, dos modos de operação desses
programas, da maneira como eles são conduzidos, dos modelos e normas que os
direcionam, bem como das repetições que enfatizam sua identidade. (ROSÁRIO,
2007, p. 187)
Estrutura narrativa
Do ponto de vista da estrutura narrativa
pode-se considerar que o documentário deveria contar com:
Início: A
apresentação do assunto, isto é “expor o tema, levantar uma questão ou
apresentar algo novo ou inesperado” (HAMPE apud
PUCCINI, p.51). Nesta fase o documentário deve informar “o problema com o qual o documentário
lida, as principais pessoas envolvidas – e o que mais o espectador necessitar
saber para que o documentário siga
adiante” (idem).
Meio:
Desenvolvimento do assunto. “ O miolo do filme deve tratar preferencialmente
das complicações do problema exposto no início. Essas complicações nascem da
confrontação entre forças opostas. 'Os elementos de luta, tensão e desejo são o
coração do drama em qualquer meio, incluindo o documentário. Um documentário
que não possua uma tensão que gere movimento é apenas um catálogo de episódios'
(RABINGER apud PUCCINI). O campo das
forças que se opõem não é composto exclusivamente pela configuração de desejos
opostos, mas pode se estender por argumentações divergentes ou pontos de vista
conflitantes sobre determinado evento histórico ou tema”. (PUCCINI, p. 55)
Fim:
Resolução do assunto. “Documentários tratam sempre de assuntos que são maiores
do que o filme, de conflitos que não serão resolvidos pelo filme. […] Além do
aspecto da dimensão do tema, existe o das surpresas do tempo, que está sempre
renovando as situações tratadas pelo documentário, especialmente no caso de
filmes que se apegam a um registro mais contemporâneo, de fatos que ocorrem
simultaneamente à produção do filme.” Segundo Amir Labak o “drama da vida dita a evolução dramática da
narrativa para muito além das intenções preconcebidas. O acaso é o melhor
roteirista de documentários”.
Fases da realização do documentário
Pré-produção
Pesquisa.
“Contrariamente à impressão de criação instantânea, dirigir um documentário é
resultado menos de um processo de investigação espontânea do que de uma
investigação guiada por conclusões preliminares obtidas durante o período de
pesquisa. Em outras palavras, a filmagem deverá ser preferencialmente a coleta
de ‘evidências’ para relações e suposições básicas identificadas anteriormente”
(RABINGER apud PUCCINI, p. 27)
Há quatro fontes de
pesquisa mais usuais:
- Material impresso
- Material de arquivo (filmes,
fotos, arquivos de som e imagem)
- Entrevistas
- Pesquisa de campo nas locações
de filmagem
- Hipótese
do trabalho. Quais as suas expectativas sobre
o universo que irá mostrar no filme, o argumento principal.
- Tema
e exposição do tema. Qual o assunto do filme?
Quais as informações necessárias para que o espectador possa ter acesso a
esse universo e como essas informações serão transmitidas a ele?
- Sequências
de ação. Escrever um breve parágrafo
resumindo aquelas que poderão ser as sequências que mostram ação (ou
atividade) dos personagens envolvidos no filme.
- Personagens
principais. Um breve parágrafo para descrever
cada personagem e seu respectivo papel no documentário.
- Conflito.
Se por acaso houver, quais os conflitos a serem explorados pelo
documentário?
- Público-alvo
e expectativa de resposta dessa audiência.
Qual o público-alvo? Qual a ideia preconcebida que se imagina que esse
público possa ter do assunto abordado e como o documentário irá lidar com
essa ideia?
- Entrevistas.
Lista descritiva dos entrevistados.
- Estrutura.
Um breve parágrafo sobre como o filme irá trabalhar sua estrutura
narrativa, de forma linear, não linear, possíveis macetes narrativos a
serem empregados, curva de tensão dramática, como serão intercaladas as
entrevistas com a ação do filme etc.
- Estilo.
Considerações sobre o estilo de filmagem e edição, iluminação.
- Resolução.
Um breve parágrafo sobre como se imagina que será o final: aberto,
conclusivo?
- Plano
de produção e cronograma
- Orçamento
Eventos encenados e decupagem da cena
Modelo
- Int. casa pescador – Dia
1.1.
Plano
Detalhe. Bule de café com a tampa aberta. Uma mão entra em quadro pela esquerda
da tela, fecha a tampa e retira o bule de quadro saindo pela esquerda da tela.
1.2.
Plano
Detalhe. Caneca de café sobre uma mesa. O bule aparece em quadro entrando pela
direita da tela. O café que está no bule é servido a caneca.
1.3.
Primeiro
Plano (leve contra-plongée). Velho pescador bebe o café da caneca. Seu olhar se
direciona para a direita da tela.
1.4.
Plano
Geral. Porta de entrada da casa. De dentro se avista o ambiente extreno.
Pescador passa pelo quadro, caminhando da esquerda para a direita, saindo da
casa. Vindo longo atrás do pescador, uma mulher carrega uma criança no colo.
Mulher para próximo à porta e vê pescador partir.
Eventos autônomos: filmar sem roteiro
A respeito do documentário, podemos
destacar a necessidade de ser ágil e rápido. A vida não espera a arte. Uma cena
mal iluminada que tem força dramática é sempre preferível a uma cena lindamente
iluminada, mas que perdeu o momento dramático e que só registra as sobras do
momento significativo. O fotógrafo do documentário está sempre fazendo
concessões técnicas em função de questões dramáticas. Claro, tudo depende da
proposta do filme. (ADRIEN COOPER apud PUCCINI, p. 79)
Num documentário, só olhe as pessoas.
Esqueça o quadro, a composição e a arte. Concentre-se nas pessoas e preste toda
a atenção do mundo ao que elas estão dizendo; você está lá para isso: ver,
ouvir e reagir ao que estiver acontecendo de verdade. (EDGAR MOURA apud
PUCCINI, p. 79)
Transcrição das entrevistas: os resumos das sequências de ação (escaleta), junto
com o material obtido na transcrição das entrevistas, possibilitarão ao
documentarista a seleção e a montagem de uma estrutura para o filme.
Formatação do roteiro de edição.
Referências
PUCCINI, Sérgio. Roteiro de documentário: da pré-produção à pós-produção. Campinas: Papirus, 2009.
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